Manifesto pela liberdade e autonomia sindical
10.06.2015
blog liberdade sindical
A democracia brasileira é uma democracia atrasada que tem, em particular, uma dívida antiga com os trabalhadores: ela impede a liberdade de organização sindical.
A democracia brasileira exclui o sindicalismo
Desde 1931, vigora no Brasil o sistema de unicidade sindical, isto é, o sistema de sindicato único imposto por lei. Nesse sistema, o Estado define o único sindicato que, numa determinada base territorial, irá monopolizar legalmente a representação de um determinado segmento de trabalhadores. É verdade que esse sistema não impede toda e qualquer organização ou luta sindical, mas ele obriga os trabalhadores a se organizarem e a lutarem única e exclusivamente no sindicato oficial reconhecido pelo Estado. Desde que se submetam às regras desse aparelho, os sindicalistas obtêm, como suposta compensação, a legalidade da entidade sindical e os recursos financeiros que lhe são assegurados pelo Estado.
Diferentemente do que ocorria durante a ditadura militar (1964-1985), quando o controle estrito e repressivo do Executivo Federal sobre a vida sindical tolhia, de modo evidente, o sindicalismo, hoje, graças às reformas liberalizantes da estrutura sindical, as correntes sindicais progressistas dão mais importância às aparentes vantagens do sistema de sindicato único que às pesadas limitações que ele impõe à organização e à luta dos trabalhadores. Está mais do que na hora de as correntes realmente interessadas na defesa dos interesses dos trabalhadores abandonarem essas ilusões e retomarem a luta pela liberdade de organização sindical.
O que é a estrutura sindical corporativa de Estado
O caráter oficial dos sindicatos e a unicidade sindical são os dois pilares fundamentais daquilo que chamamos estrutura sindical corporativa de Estado. Graças a eles o Estado pode estabelecer normas que reforçam a integração do sindicato ao Estado e implantar medidas que estendem a sua tutela sobre toda a vida sindical. De fato, a esses dois pilares fundamentais veem se agregar as contribuições sindicais compulsórias para associados e não associados, a divisão corporativista da organização dos trabalhadores em categorias, a segmentação da sua luta num sistema de datas base, a tutela das eleições sindicais pelo Estado e outros elementos de integração e controle que impedem a livre organização dos trabalhadores. Essa estrutura cria e seleciona direções sindicais mais afeitas ao conformismo e à conciliação, produzindo gerações de pelegos e burocratas, desestimula a organização no local de trabalho, tem um efeito moderador sobre o conjunto da luta sindical e estimula nos trabalhadores uma atitude de dependência em relação ao Estado. Na estrutura sindical corporativa de Estado, uma força – silenciosa e eficiente como a lei da gravidade – atua constante e tenazmente para coibir e modelar a luta dos trabalhadores. A conquista da liberdade e da autonomia sindical, imprescindíveis para fortalecer a luta dos trabalhadores brasileiros, passa, obrigatoriamente, pela extinção dessa estrutura.
A história do sindicalismo brasileiro está repleta de lutas e de organizações que transbordaram a estrutura sindical. Grandes greves de massa foram e são organizadas por fora dessa estrutura, as comissões de fábrica independentes são tradição do sindicalismo brasileiro, os funcionários públicos até hoje não foram completamente absorvidos pela estrutura sindical, enfim, embriões de uma organização sindical alternativa pontilham a longa história de luta dos trabalhadores. Ademais, durante todo o período de sua existência, a estrutura sindical de Estado foi alvo de crítica, ora sistemática, ora difusa, da parte de inúmeras correntes sindicais. Na sua implantação, na conjuntura de 1931 a 1934, a resistência operária a essa usurpação do Estado foi grande; na conjuntura de 1948 a 1952, essa estrutura entrou em crise, obrigando o Governo Vargas a proceder uma reforma liberalizante para evitar o desenvolvimento de um sindicalismo de novo tipo no Brasil; na conjuntura de crise da ditadura militar, entre 1978 e 1984, a estrutura sindical entrou num novo período de instabilidade que voltou a exigir reformas preventivas para recompô-la. Primeiro, foram as medidas liberalizantes adotadas pelo Ministério do Trabalho no Governo Sarney e, depois, vieram as novas normas constitucionais que configuraram uma nova abertura permitindo o sindicato oficial se recompor. Na conjuntura atual, a crítica à estrutura sindical recuou, mas ao longo de sua história a estrutura sindical corporativa de Estado nunca reinou de maneira absoluta.
Porém, se a estrutura sindical corporativa de Estado é octogenária no Brasil, é porque ela dispõe de base social e está envolta num discurso ideológico que lhe serve de manto protetor. Existe uma bateria de argumentos que são acionados em sua defesa. Alguns deles sustentam abertamente que a estrutura é benéfica para os trabalhadores. Afirmam que a unicidade sindical seria um antídoto que evitaria a divisão dos trabalhadores, enquanto as contribuições obrigatórias evitariam que os sindicatos morressem à míngua. Outros, menos entusiastas, acreditam que a estrutura sindical é uma instituição socialmente neutra. Garantem que a situação do movimento sindical dependeria apenas da correlação de forças vigente na sociedade e no interior do próprio sindicalismo. Há ainda aqueles que, mais realistas, admitem que a estrutura é limitativa, mas sustentam que é apenas no seu interior – e somente aí – que os ativistas sindicais deveriam atuar, pois a massa dos trabalhadores brasileiros estaria nos sindicatos oficiais.
Examinemos tais argumentos.
A questão da unicidade e das contribuições obrigatórias
A unicidade sindical garante, de fato, a unidade da organização e da luta sindical? E mais: o que é unidade sindical?
O argumento segundo o qual a unicidade (unidade sindical imposta e regulamentada por lei) garantiria a unidade sindical está em gritante contraste com o processo de pulverização e de divisão que se instaurou na base e no topo do sindicalismo brasileiro. Historicamente, a organização por categoria sempre foi uma arma usada pelo Estado para partir e repartir o movimento sindical. Mais recentemente, desde a promulgação da Constituição de 1988, foi desencadeada uma verdadeira corrida à carta sindical que pulverizou toda a organização de base do sindicalismo brasileiro. Temos um número cada vez maior de sindicatos cada vez menores. A unicidade sindical, por outorgar representatividade legal a qualquer grupelho que saiba manobrar ou que tenha boas relações no Ministério do Trabalho, permite e estimula o desmembramento de categorias tradicionalmente estabelecidas, criando artificialmente novas categorias específicas de trabalhadores, e permite e estimula também a divisão de bases territoriais até então consolidadas. Há hoje no Brasil uma verdadeira indústria de criação de sindicatos. No que diz respeito à cúpula do movimento, desde a promulgação da lei de reconhecimento das centrais sindicais – reconhecimento que permite tudo, menos que tais centrais negociem acordos nacionais de trabalho – gerou uma corrida para a criação de novas centrais sindicais. Hoje, temos cerca de uma dúzia de centrais sindicais no Brasil. Nosso país é candidato a campeão mundial em número de centrais e de sindicatos! Tudo permitido, facilitado e estimulado pela unicidade sindical e pelas contribuições sindicais compulsórias. Tudo em nome da unidade sindical!
Mas, para além dessa gritante contradição entre, de um lado, o argumento que apresenta a unicidade como garantia da unidade e, de outro lado, o fato evidente da crescente pulverização do movimento sindical brasileiro, temos uma questão de concepção que é preciso mencionar. Os defensores da unicidade em nome da unidade raciocinam como se a unidade fosse sempre benéfica e a pluralidade o mal absoluto. A história do sindicalismo mostra, contudo, como o fetiche da unidade pode custar caro ao movimento sindical. O criador da unicidade sindical foi o fascismo italiano. O General Franco na Espanha também importou esse instituto fascista. Nesses países, o sindicalismo estava unido... em torno do fascismo. Esse tipo de unidade interessa aos trabalhadores? A derrota do fascismo significou, também, a instauração do direito ao pluralismo sindical. No caso da Espanha, as Comisiones Obreras (CCOO), organizadas fora da estrutura sindical franquista e implantando uma situação de pluralidade sindical de fato, foram o instrumento que permitiu que a luta sindical avançasse. Muitos exemplos poderiam ser dados também para o caso brasileiro. Evocaremos apenas um. A explosão de greves do final da década de 1970, que fez surgir o novo sindicalismo e aprofundou a crise da ditadura militar, não teria sido possível se os sindicalistas tivessem respeitado de maneira estrita a unicidade sindical. O Fundo de Greve do ABC funcionou, mesmo sem se assumir como tal, como um autêntico sindicato livre que logrou tocar adiante a luta grevista de massa que estava bloqueada no sindicato oficial sob intervenção da ditadura. A unidade é sempre unidade em torno de um programa sindical determinado e não é qualquer programa político ou sindical que interessa aos trabalhadores.
Aqueles que proclamam as virtudes da estrutura sindical argumentam ainda em defesa das contribuições sindicais obrigatórias. É o argumento segundo o qual os sindicatos, desprovidos do imposto e demais taxas sindicais obrigatórias, morreriam à míngua. Ora, essas contribuições desobrigam os trabalhadores, afastando-os da vida sindical, tornam os sindicatos financeiramente dependentes do Estado e criam uma série de vícios no sindicalismo brasileiro. Voltaremos a esse ponto. Por ora, cabe perguntar o seguinte. No Brasil, inúmeros setores populares souberam se organizar e se organizam sem depender no fundamental do financiamento público sistemático: estudantes, camponeses, sem-teto, sem-terra, funcionários públicos e outros mantêm suas organizações sem possuírem nada que se assemelhe ao imposto sindical. Por que apenas os trabalhadores do setor privado, inclusive a classe operária, seriam incapazes de se organizar fundamentalmente com base na contribuição financeira voluntária?
A questão da suposta neutralidade política da estrutura sindical
O segundo tipo de argumento em defesa da estrutura sindical é aquele que, embora não se detenha na apologia das virtudes da estrutura, sugere que essa instituição é socialmente neutra. Tudo dependeria, segundo se diz, da correlação de forças.
É certo que as condições da luta sindical variam de acordo com a correlação de forças vigente no conjunto da sociedade e é certo também que um sindicato oficial agirá de maneira diferente se tiver à sua frente uma diretoria pelega ou uma diretoria combativa. Porém, seja qual for a correlação de forças e seja qual for a diretoria que ocupa o sindicato, a estrutura sindical, ao invés de se constituir num instrumento eficaz para a luta sindical independente, é, sempre, um terreno desfavorável para os trabalhadores. Nos períodos em que a correlação de forças permite, os governos podem, em decorrência da existência da estrutura sindical, implantar uma legislação de controle ainda mais rígida e autoritária sobre a organização e a atividade sindical, como foi feito durante os períodos ditatoriais do Estado Novo (1937-1945) e da Ditadura Militar (1964-1985). A manifestação mais violenta desse controle era a prática de depor sumariamente diretorias sindicais que organizassem greves. É necessário frisar que sem a mediação da estrutura sindical tais deposições seriam impossíveis. A ditadura militar não tinha condições institucionais e políticas de depor, apesar da correlação de forças desfavorável ao movimento operário e popular, as direções da UNE, do MST, do Movimento Contra a Carestia ou de qualquer outro movimento popular que não estivesse integrado ao Estado. Depunha apenas as direções cujos mandatos e recursos materiais dependiam do Estado.
Já nos períodos de democracia (atrasada) como o atual, as deposições sumárias por via burocrática desapareceram, mas foram substituídas por intervenções judiciais que outorgam ou cassam licenças sindicais e mandatos de diretorias. A nova Constituição alçou a unicidade sindical ao status de norma constitucional e, portanto, o próprio controle do aparato de Estado sobre a organização dos trabalhadores. Passou-o, ao mesmo tempo, para o Poder Judiciário, a quem compete julgar em última instância os conflitos pelo monopólio de representação sindical (art. 8º, I, II) e pela destinação dos tributos sindicais (art. 8º, IV). Se é o Estado quem outorga a representação sindical, só pode caber a ele a função de regulamentá-la e de administrá-la. Mudou-se a forma, mas se manteve o conteúdo. A mudança na correlação de forças e no regime político alterou apenas o método por intermédio do qual, graças à existência da estrutura sindical, o Estado pode tutelar a organização e a luta dos trabalhadores.
Mesmo medidas repressivas que não decorrem diretamente da estrutura sindical, a começar pela medida tão em voga que consiste na aplicação de multas milionárias aos sindicatos que organizam greves, mesmo tais medidas são facilitadas pela existência dessa estrutura. Um movimento sindical autônomo diante do Estado e cioso de sua independência é, ao contrário do que se passa com o movimento sindical dependente do Estado, um fator inibidor da ação de juízes autoritários que se julgam no direito de distribuir, ao seu bel prazer, multas aos sindicatos combativos. O fim da estrutura sindical atual e a conquista da liberdade e da autonomia sindical teriam repercussões favoráveis aos trabalhadores em toda a cultura política brasileira.
Deixando de lado as intervenções mais evidentes do Estado na vida sindical, como as arroladas acima em diferentes períodos históricos, é preciso, ainda, destacar os mecanismos mais silenciosos que operam na estrutura sindical corporativa de Estado.
Em primeiro lugar, a luta reivindicativa por salários e condições de trabalho pode ser inviabilizada ou, na melhor das hipóteses, ela é enfraquecida. A estrutura sindical e os pelegos, que nela encontram seu habitat natural, impediram a luta reivindicativa nos períodos ditatoriais e continuam impedindo essa mesma luta em centenas e centenas de sindicatos no Brasil atual. Nos períodos democráticos, os sindicatos ocupados por diretorias combativas podem conduzir a luta reivindicativa, mas o fazem dentro das condições desfavoráveis dadas pela estrutura: divididos por categorias cujos contornos são definidos pelo Estado, esbarrando na sabotagem das diretorias pelegas dos sindicatos próximos que poderiam engrossar sua luta, deficitários na organização nos locais de trabalho e, embora dispondo de verba para acionar carros de som e imprimir boletins, padecendo da falta de engajamento organizado das bases que são mantidas à distância dos sindicatos devido às próprias características da estrutura sindical. De fato, se os sindicalistas já têm assegurados a representatividade e os recursos financeiros garantidos pelo Estado, por que eles iriam se lançar a fundo no difícil trabalho de organização dentro das empresas, onde poderão se deparar com a repressão patronal e com a concorrência das correntes sindicais rivais? E, do lado dos trabalhadores, se eles constatam pela prática e no dia-a-dia que o sindicato existe sem eles, por que esperar que concluam que o sindicato deve ser concebido como a união ativa dos trabalhadores?
Em segundo lugar, a estrutura sindical bloqueia a participação ativa e aberta do sindicalismo na luta política pelas grandes reformas almejadas pela população trabalhadora. O uso do dinheiro obtido por intermédio das contribuições sindicais compulsórias é, como não poderia deixar de acontecer com fundos assegurados pelo Estado, regulamentado pelo próprio Estado. Ele pode ser usado para a prática massiva do assistencialismo médico, odontológico e jurídico, mas não pode ser destinado, por exemplo, às campanhas políticas de partidos e de movimentos vinculados aos trabalhadores. E, no entanto, uma legislação autoritária como essa é aceita com naturalidade pela maioria dos sindicalistas que, sem contestarem-na, chegam, no máximo, a burlá-la. Mas o bloqueio à participação política e social mais ampla dos sindicatos decorre de um fenômeno mais profundo: como poderiam sindicalistas e trabalhadores, educados numa estrutura que coloca toda a responsabilidade da organização sindical nas mãos do Estado, desenvolverem a consciência de que o movimento sindical deve contar com as suas próprias forças e se vincular a um programa de reformas que desafia a atrasada democracia brasileira?
A questão da liberdade sindical e a atuação no sindicato oficial
Por último, temos o argumento do tipo pragmático: a estrutura sindical pode ser ruim, mas como a massa dos trabalhadores está dentro da estrutura é lá que temos de atuar. Novamente, nos deparamos com um erro factual e também com um problema de formulação.
O erro factual consiste no seguinte: a taxa de sindicalização no Brasil é baixa e não se concentra nos setores mais mobilizados dos trabalhadores. O Brasil apresentava em 2012, no levantamento da PNAD do IBGE, que é o levantamento mais confiável para essa matéria, 17% de trabalhadores sindicalizados. Essa porcentagem é obtida utilizando o denominador mais restritivo e que mais eleva a taxa de sindicalização, que é o denominador composto pela população economicamente ocupada, e computa a sindicalização dos funcionários públicos que não está de todo integrado à estrutura sindical. A desagregação desses dados por região é instrutiva. A Região Sudeste, que é a região de maior atividade grevista, apresentava 16% de sindicalizados, um número muito inferior aos 20% da Região Nordeste, onde, embora a luta popular seja forte, o ativismo sindical é menor que no Sudeste. Se considerarmos a divisão rural/urbano encontraremos fenômeno semelhante: a sindicalização na região rural é muito maior que na urbana. Na região rural, a sindicalização alcança 24% da população ocupada, sete pontos acima da média nacional, enquanto nas regiões urbanas não metropolitanas essa taxa é de apenas 16% e nas áreas metropolitanas ela é ainda menor - apenas 15%, dois pontos abaixo da média nacional. Mais ainda, considerando sempre o ano de 2012, no meio rural a sindicalização é maior entre os pequenos proprietários que entre os trabalhadores assalariados. A diferença aqui é enorme: enquanto a taxa de sindicalização dos pequenos proprietários é de 31%, a dos trabalhadores rurais assalariados não atinge a metade desse percentual – ela é de apenas 15%. Esses contrastes entre, de um lado, a taxa de sindicalização e, de outro, a propensão à luta sindical não representam uma situação excepcional na história do sindicalismo oficial no Brasil.
Quando foi implantada a estrutura sindical na década de 1930, a adesão ao sindicato de Estado cresceu da periferia para o centro do capitalismo brasileiro. Nas regiões mais industrializadas e que apresentavam um movimento operário mais organizado, a resistência ao sindicato de Estado foi grande. No período democrático de 1945-1964, os estudos sobre o sindicalismo mostram que a sindicalização era maior nas pequenas cidades do interior que nas capitais, que era onde se concentrava a luta grevista. Durante as décadas de 1970 e de 1980, a sindicalização dos trabalhadores se concentrava nas pequenas e médias empresas, enquanto a luta grevista era puxada pelo operariado das grandes empresas. A grande massa dos trabalhadores não está sindicalizada e a parte que se sindicaliza nem sempre é a que mais luta. A estrutura sindical corporativa de Estado tem como base preferencial setores com menor poder de pressão e menor capacidade de luta. Nessa estrutura, ao invés de os trabalhadores mais ativos indicarem o caminho para aqueles com menor capacidade de organização e de luta, são esses últimos que moldam o movimento sindical, arrastando-o para trás.
Contudo, dizíamos, o argumento pragmático apresenta também um grave problema de formulação. Esse argumento substitui furtivamente a discussão dos objetivos da luta – a liberdade sindical – pela discussão dos métodos a serem empregados – atuar dentro ou atuar fora da estrutura. Com essa operação de deslocamento, evitam a discussão do programa que deve orientar a luta dos trabalhadores no que respeita à liberdade e à autonomia sindical. Dispensam-se da incômoda tarefa de se pronunciar sobre a unicidade sindical, sobre as contribuições sindicais obrigatórias e sobre todos os demais elementos que compõem a estrutura sindical. Não é difícil perceber quais são as consequências práticas desse recurso discursivo: ele serve para ocultar a adesão programática dos pragmáticos à estrutura sindical.
Ao contrário do que os pragmáticos querem fazer crer, os defensores da liberdade sindical não se recusam, por princípio, a atuar nos sindicatos oficiais, isto é, não defendem a tática de se investir apenas na organização de sindicatos livres. Os métodos são determinados pelo objetivo da luta e pelas circunstâncias. O objetivo é destruir a estrutura sindical, mas é possível combinar a atuação fora dessa estrutura com a atuação dentro dela. As modalidades desse tipo de combinação vão depender do perfil de cada setor de trabalhadores, das características do sindicato oficial a que estejam ligados e da conjuntura política nacional. O importante é definir um programa de luta contra a estrutura sindical e escolher ações práticas que estejam orientadas para esse fim. Somente numa situação de crise aberta e nacional da estrutura sindical é que caberia a tática de generalizar a criação de sindicatos livres por todo o país.
O Blog Liberdade Sindical
A conquista da liberdade e da autonomia sindical não tem o condão de eliminar todas as dificuldades que se colocam para a luta dos trabalhadores. A concorrência estimulada pelo mercado de trabalho, o corporativismo estimulado pela segmentação econômica, a repressão patronal e do Estado, o impacto das ideias dominantes e outros obstáculos que fazem parte da própria estrutura econômica, política e social das modernas sociedades capitalistas continuarão agindo sobre o movimento sindical. Porém, a conquista da liberdade e da autonomia sindical abrirá possibilidades novas que não existem e que não podem existir numa situação em que o próprio instrumento de luta dos trabalhadores é organizado e controlado pelo aparelho de Estado.
O Blog Liberdade Sindical tem por objetivo fazer a propaganda dessa bandeira e estimular a discussão sobre a importância da liberdade e da autonomia sindical. Esse blog não é e nem pretende ser uma nova corrente sindical, mas, sim e tão-somente, um instrumento de intervenção na luta de ideias. Para tanto, nosso blog aceita a participação e a colaboração de todos os sindicalistas e intelectuais, de orientações políticas as mais diversas, que estejam interessados na liberdade, na autonomia e no fortalecimento do movimento sindical brasileiro.
São Paulo, abril de 2015